Naquele primeiro encontro, eles já anteviam o prazer. Não se tratou de um encontro concreto, no entanto se aproximaram em demasia. Podia ser que o cheiro de um tivesse o poder de estremecer as estruturas do outro. Não se sabe ao certo a que se deve o desejo. Nem eles se preocupariam em tentar descobrir o que move a carne. Esse tipo de reflexão caberia, talvez, aos livros que ambos frequentavam. Um dia, quem sabe, leriam sobre o tema, buscando respostas para a vontade que não deram conta de conter.
Viram-se duas vezes. No primeiro encontro, ele tentou seduzi-la com poemas. De fato, foram sedutores… Mas a boca, o cheiro dele… Tudo nele era muito mais atraente que os textos que lia. Na boca… na boca… na boca. O poema de Bandeira falava sobre os amores de carnaval. Também aí algum anúncio… amor carnal – que, aos olhos de moças inocentes, duraria para sempre… Ela quase não conseguiu dormir depois de algumas horas de desfrute minimalista. Ele, já acostumado a certos prazeres, dormiu serenamente depois de se masturbar no chuveiro. Teve condições até de refletir sobre o impacto de sua extrusão na conta de luz familiar. Ficara um longo tempo no banho… Não só naquele dia, mas em outros que antecederam a descrição a ser feita neste espaço.
Seria difícil, porém, concretizar o ato sexual, a consumação do desejo. Eram ambos cheios de outros. Esposa, marido, filhos. Haveria, no entanto, um momento, um instante para os dois (ou ainda, para que eles se tornassem um só). Uma viagem… Sim, essa seria a chance de efetivar o desejo que se impregnava na pele de ambos. Não se tratou de uma viagem planejada. O destino favoreceu a natureza humana, favoreceu o prazer. Os conjugues de um e de outro se fizeram viajar simultaneamente. Eles, por isso, tiveram uma única chance.
Seriam amantes apenas por uma noite. Não lhes caberiam outros papéis. Ninguém pensaria em infidelidade, não estariam, de certo, sendo infiéis… Seriam apenas e tão somente humanos. Só amantes…
A oportunidade de se encontrarem foi anunciada com pouco tempo, o que não permitiu a nenhum dos dois planejar aquele momento. (No entanto, tenho comigo que já o fizeram por vezes em seus momentos de reserva e intimidade).
Ela o buscou no trabalho. Seguiram para um encontro breve, porém revelador. Nunca mais seriam os mesmos… No caminho, ela pensa no marido… talvez, se ele a desejasse como antes, não estaria ali. Talvez, se ele não a ignorasse em sua cama… Pensa em desistir. Pensa nos filhos. Sente um torpor incomum. Quase desfalece só de pensar na situação. No entanto, o destino de ambos era curto demais e antes que ela pudesse desistir…
Chegaram ao apartamento dele. Podiam ter ido a um motel, mas não se sabe exatamente porque as coisas aconteceram ali. Isso não foi ruim para ela, que pôde impregnar as paredes, o ambiente, os lençóis com o seu cheiro.
Nada a tiraria dali depois daquela noite – esse era o risco de se render ao desejo.
Subiram separadamente para que ninguém os notasse. Não trocaram muitas palavras antes daquele dia. Falavam-se por olhares e, muito raramente, textos carregados de significados implícitos. Uma bebida tomada em um bar desses escondidos garantiu a ausência de qualquer tipo de limite ou censura. Ela o desejava há muito. Queria ser dele. Queria senti-lo penetrando a sua carne.
Eis que se viram sozinhos… Tirar a roupa de uma desconhecida era excitante… O que haveria por trás daquele vestido? Antes de despi-la, insinuou suas mãos por todo o corpo dela. Ela usava uma roupa íntima discreta… Bastante comportada até para os fetiches masculinos… Ela era pura sedução… Não combinava com nada tão apelativo… Era jovem, bonita, amante das palavras e de seus múltiplos significados… Usava uma renda preta… que lhe escondia parte das nádegas. Ele forçava, com os dedos, o tecido delicado que lhe cobria a vulva. Suas roupas também não lhe escondiam o prazer, o desejo… seu sexo apontava para ela, a perseguia.
Ela, um pouco revelada por uma dose de uísque (não aguentaria duas – de certo), tirou-lhe a camisa… Roçou-se naquele corpo… Sentia-se ofegante… via-o ofegante… respiravam em um só ritmo… eram uma única essência. Ele já não se privaria mais da visão do corpo misterioso daquela estranha… Com algum ímpeto, tirou-lhe o vestido… Despiu-se, despiram-se… Libertaram-se, naquele momento, de tudo o que poderia atrapalhar a concretização da liberdade… Estavam livres. Não precisavam de roupas, nem de máscaras, nem um do outro… Essa era a magia. Estavam ali por vontade. Apenas por isso.
Viram-se nus. Um a saborear o corpo do outro. Jamais se pensaram tão animais. Estavam àquela hora mais que zoomorfizados. A saliva dele passeava por todo o corpo dela. Sua boca mordiscava-lhe os mamilos garantindo a ela muito prazer. Os seios dela eram exatamente do tamanho das mãos dele. Seus mamilos apontavam como que pedindo pelas mordidas daquele parceiro único. Como foi bom viajar pelos seios da amante, como se distanciavam dos seios de sua mulher… a cor, o gosto, a forma… tudo tão novo, tão diferente, tão encantador… Sentia-se amamentado, saciado por aquela mulher surpreendentemente lasciva… Demorou-se em carinhos… Queria vê-la em êxtase. Com os dedos dentro de sua vulva, percebia o quanto ela o desejava.
Sua língua entendia o pedido feito silenciosamente pela amante. Desceu suavemente até a vulva. Começou a torturá-la com lambidas longas e externas. Ignorava-lhe o clitóris que pulsava de prazer. Insinuava sua língua para dentro dela. Manipulava-lhe o ânus com os dedos enquanto degustava seus fluidos tão saborosos. Ela se sentia atormentada. Nunca fora acariciada daquele modo. Mas, ali, naquelas poucas horas que passariam juntos, nenhuma frustração a inibiria. Ela, que confiava na estabilidade do matrimônio, viu – em um momento de epifania – que as suas verdades eram outras… muito distantes das que deixava transparecer, muito distantes das que acreditava ter.
A língua daquele homem era a língua de seu corpo… Em sonho, já estiveram juntos… Deixava-se penetrar, implorava pelo membro daquele amante tão vigoroso. Sentia-se mulher… Sentia-se dele. Ele a pegava pelos cabelos e colocava-a em posição totalmente vulnerável. Como era prazerosa a sensação de ser tocada por ele. Segurava-a pelos quadris. Apreciava aquelas nádegas que lhe garantiriam muito prazer. A essa hora, ela já não podia conter o tom de voz. Implorava por um orgasmo pleno. Ele, na sua experiência de homem, retardava aquele momento. Penetrava-a: ora de leve, ora a machucar-lhe o baixo ventre. Sentia-o dentro de si como nunca experimentara ninguém.
Quis desafiá-lo também: testaria os limites daquele corpo… procuraria o caminho do seu prazer. Desejava o satisfazer, tornar-se um objeto de desejo para o corpo de seu amante. Começou a mordiscar-lhe os mamilos. Envolvia-os com a língua. Falava-lhe frases insanas… Nunca fora tão obscena… Expressava verbalmente o prazer que sentia ao seduzir aquele corpo. Seguiu rumo ao seu delicioso umbigo. Desfrutou de todos os pelos que lhe cobriam o peito.
Conduziu-se fixamente para o sexo de seu amado e desconhecido homem. Ajoelhou-se para a sua mais profana oração… Colocou-se a masturbá-lo habilmente. Estava embriagada pelo cheiro de seu estranho… Respirava já sem ar… Ele, ao ver tão perto a boca que ora se insinuava para o membro, ora lhe desviava a direção, não resistiu. Pegou-a pela face, apresentou-a para o seu prazer…
Ela se fartou dele. Como gostou de senti-lo na sua boca, e o poema de Bandeira ganha forma e sentido. Na boca… na boca… Como o desejara. Consumia-se ali. Manipulava o seu clitóris na medida do possível. Sentia-se desnorteada. Sentia o gosto de ser mulher, de ser livre. Pedia a ele o seu gozo. Seu adorado estranho se negava. Sabia que deveriam desfrutar em demasia aquele momento, que poderia nunca se repetir…
Não parava, no entanto, de masturbá-la. Não estavam em si…. não respondiam à razão… Ou ainda, estariam sendo guiados por ela? Decidiu – naquele híbrido de ansiedade e prazer – dar-lhe um orgasmo, o qual não seria o único daquele “encontro imprevisível”. Tomou-a em seus braços, usou de um sofá em um canto do quarto para apoiar o corpo dela. Penetrou-a, penetrou-a… mordia-lhe o pescoço… apertava-lhe a coxa… oferecia sua boca aos seios dela. O corpo de sua mulher já não resistia a tamanho estímulo. Gozou sobre aquele membro intensamente. Seus fluidos marcaram o chão e a memória de seu amante. Tomou a boca dele para lhe saciar a sede de saliva. Mal teve coragem de lhe olhar… seu corpo respondia por ela.
Estava novamente em si, estava nele, estavam finalmente juntos. Antes que fosse tomada por alguma sonolência, ele a colocou em outra posição. Começou, novamente, a penetrá-la de apoiada sobre os joelhos. Sem impor a si a necessidade de consentimento, lambeu seu ânus até que ela se entregasse ao êxtase. Penetrou-lhe delicadamente. Demorou-se ali até que ela gozasse , de verdade, novamente. Tinha calma. Tinha paciência suficiente para fazê-la gostar daquilo. Ela gozou num grito único de dor e prazer… O seu cheiro impregnava o espaço em que se encontravam e aguçava o desejo daquele que, ali, compartilhava com sua estranha um momento único – anacrônico. Ela pedia pelo prazer de seu homem.
Àquela altura, já se dava por satisfeito. O corpo dela era promíscuo … Era a garantia de um orgasmo intenso, interno, de quem é responsável pelo seu prazer e pelo do outro. Ele sabia controlar o seu corpo.
Colocou-a, neste momento, na cama. Virou-a de costas. Fechou-lhe as pernas e a penetrou mais uma infinidade de vezes. Entrava naquele corpo estranho que lhe tirara o juízo, na mesma medida em que lhe aguçara a libido. Entrava naquela mulher que entrara misteriosamente em sua vida. Entrava nela e ela entrava nele. Marcava seu corpo. Pressionava aqueles quadris. Gemia aos ouvidos dela com um prazer sincero. Fartavam-se um do outro.
Finalmente, preparou-se para gozar… Anunciava à sua parceira que já não aguentaria muito mais… pediu-lhe permissão… Já satisfeita, solicitou ao seu mais valioso amante que gozasse dentro dela… Queria sentir em seu ventre o calor daquele homem… Queria tê-lo dentro de si. Ele gozou. Não ousou dizer nada… Qualquer palavra poderia privá-lo da sinceridade imposta pelo olhar. Comunicavam-se em silêncio.
O tempo foi cruel com aqueles ardentes amantes. Na verdade, a duração do tempo não foi controlada pelo relógio que decorava a parede, mas pela intensidade do instante que nunca voltaria a se suceder… Aquela noite, ainda que durasse anos, seria breve… deixaria uma sensação dolorosa de indefinição. O relógio – inimigo do prazer – já se adiantava.
Repentinamente, o Sol despontaria pela janela do local onde adormeceram. Aquele momento seria uma lembrança. Ela corria mais risco de se apaixonar… Ele era mais forte… Ambos sabiam que aquela não era a vida. Trataram de se despedir com novos orgasmos, desta vez no chuveiro. Separam-se sem promessas de novos encontros, ainda que seus corpos ardidos de desejo estivessem predestinados um ao deleite do outro.